“O que tá em jogo aqui não é só uma casa, uma vida, mas a liberdade. A nossa liberdade de andar, dormir de janela aberta, a nossa riqueza, nosso peixe do dia-a-dia. A nossa feira nos sustenta todos os dias. E quando se diz feira, tem sarnambi, sururu, caranguejo. Nossa feira é o nosso mar. E no quintal a gente tem mandioca, tomate”. As palavras são de Dona Maria José, líder quilombola na comunidade Mamuna, em Alcântara (MA). Ela e mais vinte moradores do lugar conversaram com a comitiva que formou a diligência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) à Alcântara (MA), nos dias 04 e 05 de julho.
O grupo foi formado pelos deputados Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM, Márcio Jerry (PCdoB/MA) e Bira do Pindaré (PSB/MA) e pelos procuradores Deborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e Hilton Araújo de Melo, do Ministério Público do Maranhão. A iniciativa teve o apoio Governo do Estado do Maranhão.
Além de Mamuna, outras 29 comunidades quilombolas podem ser remanejadas das suas áreas de origem por causa da possível implantação de um acordo, feito em março deste ano, entre o governo federal e os Estados Unidos, de salvaguardas tecnológicas que permite o uso comercial da Base Aérea de Alcântara, no Maranhão. São mais de 2.000 pessoas agrupadas em 791 famílias. Todos reivindicam os títulos de posse da terra, direito já reconhecido pelo próprio Incra através do Relatório Técnico Identificação e Delimitação (RTID), publicado em novembro de 2008. O acordo prevê que os Estados Unidos possam lançar satélites e foguetes da base maranhense. O território continuaria sob jurisdição brasileira.
Durante a diligência, mais de 40 lideranças das comunidades tradicionais foram ouvidas em três encontros. Além de informações sobre os termos do pacto, o grupo pede a imediata regularização dos problemas decorrentes da instalação do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), ainda na década de 1980, quando mais de 300 famílias foram remanejadas de suas casas para a construção da Base. Elas estão alojadas nas chamadas agrovilas.
O objetivo da diligência foi garantir o acompanhamento das tratativas sobre o uso do território diante da implementação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) e acelerar a resolução das questões relacionadas à titularidade das terras hoje ocupadas.
“A gente não tem sossego há 20 anos e nós temos nossos direitos. Tudo nós temos aqui, somos ricos de tudo, peixe, marisco, aqui tudo dá, é uma terra rica. Chega de nós sofrer, se eu sair daqui vou fazer o quê? Na cidade a gente não vai conseguir viver, não tem trabalho, só tem violência. Para essas agrovilas prometeram um monte de coisa, roça motorizada e escola de primeiro mundo. Não fizeram nada”, conta Seu Cipriano Dinis, 62 anos, morador da Mamuna.
Articulação e audiência pública
O Ministério Público Federal e a CDHM devem articular um movimento para garantir os direitos dos quilombolas que habitam a região. A proposta surgiu durante a diligência, concluída na sexta-feira (5/7), e continua a ser discutida nesta quarta-feira (10/7), em Brasília, em uma audiência pública da CDHM. O encontro acontece a partir das 14h, no plenário 9. Também na quarta-feira, às 8h30, acontece o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas. A cerimônia será no Salão Nobre da Câmara dos Deputados.
Para Márcio Jerry (PCdoB), que faz parte da CDHM, “o acordo de entre o Brasil e os Estados Unidos não faz qualquer menção direta sobre impactos econômicos e sociais em Alcântara. Mas é óbvio que eles existem, a começar pelos passivos de décadas, e resolver o passado é essencial e condicionante para planejar o futuro, sanando injustiças no presente”.
“Aqui, o que mais ouvimos das lideranças foi exatamente a necessidade de se resolver os passivos, garantir que não haverá novos remanejamentos e muitos menos a expansão da área já ocupada pela base aérea”, destacou Bira do Pindaré (PSB/MA), também da CDHM e solicitante da diligência.
O presidente da CDHM, Helder Salomão, explica que “vai ser feito um relatório, que será entregue a todos órgãos envolvidos na questão, vamos acompanhar todo os desdobramentos e estamos cobrando do governo brasileiro que não celebre nenhum acordo sem garantir e sem preservar os direitos das comunidades locais”.
A programação da diligência incluiu visita às comunidades de Marudá e Mamuna e reunião com representantes dos sindicatos de trabalhadores rurais de Alcântara, realizada na quinta-feira (4). Já na sexta-feira (5), o grupo participou de audiência com o governador do Maranhão, Flávio Dino, e com secretários de estado do Meio Ambiente e Direitos Humanos. Dino firmou que, se o governo federal delegar para o estado a titularização das terras, o governo estadual vai arcar comas despesas e fará todo o processo.
“Queremos a garantia do nosso território, nossa prioridade é a titularização. Com isso, a gente senta e decide. Não adianta vir com decisão de cima para baixo. Estamos há mais de 10 anos sem solução. A gente fica sempre com os dois pés atrás quando se fala em qualquer acordo com a base de lançamentos”, ressalta Neta, líder da comunidade Panaquatiua.
Voltando a Dona Maria José, da comunidade Mamuna, a líder afirma: “Hoje até a mentira tem nome novo, que eu nem sei chamar (fake News). O governo é cruel quando ele quer ser e por causa disso não tem acordo com governo. Primeiro a nossa titulação. Está na Constituição que temos direito ao nosso terreno”.
Pedro Calvi / CDHM
Fonte: site da Câmara dos Deputados