As violações de direitos sofridas pelas vítimas da tragédia de Mariana, Minas Gerais, que fez quatro anos no último dia 05, foi pauta de audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira (06), pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
O presidente da comissão, deputado Helder Salomão (PT-ES), iniciou a audiência apresentando o relatório produzido pela CDHM após recente visita a quatro comunidades do Espírito Santo – Vila do Riacho em Aracruz, Regência em Linhares, Nativo em São Mateus e a cidade de Baixo Guandu – que sofrem com os danos causados pela lama tóxica que contaminou o Rio Doce e o mar em algumas regiões do Espírito Santo.
No documento, além dos registros da dura realidade de problemas enfrentados pelos moradores das regiões atingidas, a constatação de que, desde a primeira diligência realizada pela CDHM em 2016, nada mudou. “Em 2016 a comissão identificou, entre outros, desrespeito aos direitos à informação e à participação, ao padrão digno de vida, à reparação por perdas, negativa de cadastramento de pessoas atingidas pelo desastre, impactos sobre a saúde dos atingidos, discriminação contra a mulher, prejuízo no abastecimento de água potável, indenização insuficiente das famílias afetadas. Quatro anos depois pudemos ver que nada mudou, que as violações continuam e o sofrimento aumenta”, declarou o presidente da CDHM.
Ainda no documento gerado pela comitiva de 2019, relatos de que a Universidade de São Paulo (USP), apresentou laudos que apontam arsênio no organismo dos moradores que utilizam a água do Rio Doce. As pessoas estão contaminadas.
“O que vimos e ouvimos durante os três dias em que estivemos em diligência é muito sério, dramático. São gritos de socorro que se não nos sensibilizarmos, é porque perdemos a razão de viver”, compartilhou o deputado Helder Salomão.
São inúmeros os problemas enfrentados pelas comunidades atingidas. Dentre eles o fato de que a Renova, fundação criada com a finalidade de promover a recuperação ambiental e a reparação dos danos causados a milhares de pessoas, atua para dividir as comunidades ao reconhecer como atingidos apenas alguns pescadores – homens –, situação que reduz significativamente o número de pessoas com direito a indenização e exclui logo de entrada, as mulheres, pequenos agricultores, empreendedores, por exemplo.
A deputada estadual pelo Espírito Santo Iriny Lopes que participou da diligência pontuou que “é questão basilar identificar que os atingidos não são só os pescadores, mas sim todas as pessoas que fazem uso da água do Rio Doce”.
Outro ponto debatido na audiência é a forma burocrática e morosa como a Renova lida com as vítimas, fazendo exigências que dificultam o acesso das pessoas aos seus direitos e se valendo, inclusive, da pouca instrução de muitos.
Dentre os problemas denunciados em relação à Renova está o não cumprimento do acordo para garantir assessoria técnica para os moradores no processo de reparação. Segundo o promotor de justiça de Minas Gerais, integrante da força-tarefa que atua no caso do rompimento da barragem da Vale em Mariana André Prado, “a Vale está desidratando os planos de assessoria técnica transformando-os em meros planos formais que não vão fazer o trabalho necessário em campo, alegando que o custo é muito alto, aplicando uma lógica de negar direitos”.
O pescador artesanal Leandro Albuquerque, morador de Conceição da Barra foi à Câmara Federal representar os trabalhadores da pesca. Emocionado descreveu as dificuldades que estão enfrentando desde que a lama desceu pelo rio tornando o peixe impróprio para o consumo. “Nós estamos precisando de apoio. As pessoas estão doentes, elas estão morrendo. Nosso pescado não tem mais valor”.
A negligência por parte do Poder Judicário diante dos abusos e vulnerabilidades a que estão expostas a população atingida foi questão levantada pela representante da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Tchenna Maso, que declarou “temos instituições aliadas, mas temos também o Poder Judiciário sendo omisso no seu papel de efetivação da justiça e na garantia de acesso à justiça”.
A representante do MAB anunciou também que foi protocolado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma denúncia contra o Estado brasileiro por todas essas violações sofridas pelos afetados pelo crime de Mariana.
Quatro anos após o rompimento da barragem que despejou toneladas de lama tóxica no Rio Doce, quase nada foi feito para reparar os danos pessoais, sociais, econômicos e ambientais. A impunidade impera em um cenário de desolação onde quem deveria dar respostas para minorar o sofrimento das pessoas, se aproveita das fragilidades das comunidades. Há relatos de que advogados estão fazendo cobranças inadequadas de honorários.
Conforme consta no relatório apresentado pela CDHM, a comissão oficiará a OAB a respeito das denúncias relacionadas à advocacia privada, e o INSS, a respeito da negativa de seguro defeso para os indivíduos que recebem o subsídio da Renova. Oficiará o Governo dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, as Prefeituras, o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público do Espírito Santo, a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública de Minas Gerais, a Defensoria Pública Espírito Santo e o Conselho Curador da Fundação Renova, solicitando informações e previdências sobre o teor completo deste relatório.