Brasil, 1995. Conflito armado entre sem-terra e polícia militar termina com 10 mortos em Corumbiara (RO). Um bispo da Igreja Universal chuta uma imagem da padroeira do Brasil durante um programa de TV. Fernando Henrique Cardoso toma posse como presidente do país. Os Rolling Stones fazem o primeiro show no Brasil. Um grupo começava a aparecer e já brilhava: os Mamonas Assassinas. Também foi o ano que a internet chegou na vida dos brasileiros. Entramos na rede, navegamos e nos conectamos. Em Brasília, é criada a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. A iniciativa intensificou o compromisso com os direitos humanos, marcado pela participação do Brasil na Conferência da ONU de Viena em 1993.
“Hoje temos um duplo sentimento. Se, de um lado, honramos e comemoramos as lutas do passado que nos trouxeram até aqui, ao mesmo tempo temos que reconhecer que os ataques aos direitos humanos nunca foram tão grandes desde a redemocratização”, destaca o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), Helder Salomão (PT/ES). O termo “Minorias” foi acrescentado em 2004, após mudanças no regimento interno.
O fundador da Comissão e primeiro presidente, Nilmário Miranda, ex-ministro de Direitos Humanos, destaca que “independe de partido político ou ideologia, contamos naquela época com a colaboração, por exemplo, de Luiz Eduardo Magalhães e Inocêncio de Oliveira. Direitos Humanos não é de um partido ou tendência política, é para todos. Ainda mais agora, com os movimentos criminalizados, discursos vazios e a divisão dos cidadãos por classes. Tudo dito e feito por pessoas que representam o Estado”.
Kretã Kaigang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ressalta que os povos indígenas sofrem, nesse momento, ataques de todos os lados e são considerados pelo governo federal o “inimigo número um, e essa Comissão se toma uma trincheira em defesa dos direitos humanos e assim podemos ter uma esperança de que aqui os direitos originários afirmados pela Constituição serão mantidos”.
Para Dom Jaime Spengler, vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil “o reconhecimento dos direitos humanos é reconhecer a dignidade, e a base da liberdade e da justiça. Precisamos de coragem e ousadia. Vivemos tempos nebulosos e desafiadores. Precisamos deixar um Brasil melhor para as próximas gerações”.
“Considero a CDHM a Comissão mais importante da Câmara dos Deputados. Sem ela não há o exercício dos direitos humanos e aí não há democracia, não se tem acesso à lei, e em uma sociedade tão desigual a luta por direitos humanos une todos nós”, afirma Marcelo Freixo (PSOL/RJ).
Padre João (PT/MG), vice-presidente da CDHM, ressalta que é “uma história de luta em defesa da liberdade, da democracia, contra a tortura, a tirania e a opressão. Luta pelos direitos dos mais pobres, mais fracos e oprimidos. Esta tem sido nossa luta durante todo este tempo. Trabalhamos em prol da dignidade humana”.
Para Camilo Capiberibe (PSB/AP), também vice-presidente da CDHM, “estamos vivendo um tempo de desrespeito aos povos originários, retirada de direitos previdenciários, onde servidores públicos são um problema e que quem continua mandando no país são os mesmo que mandavam na época da escravidão”.
Jandira Feghali (PCdoB/RJ), lembra assassinatos não resolvidos, como o da vereadora Marielle Franco, tortura no sistema carcerário e nos 114 atos de censura nas artes já feitos pelo atual governo federal. “Temos ainda o cancelamento dos conselhos com participação democrática, a humilhação e perdas de vidas de cidadãos que vivem nas periferias. Precisamos elevar o tom e de uma ação ampla que traga de volta a liberdade”.
Silvia Souza, da Educafro, considera a CDHM “um espaço de resistência e de luta, de discussão de projetos de lei que têm como objetivo atingir povos originários, como negros, indígenas e quilombolas. E essa população não pode ser esquecida, temos que ter representatividade, e não é o que acontece no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Temos uma representação ínfima”.
Observatório de direitos humanos
Nesta terça também foi lançado o Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal (RPU), uma parceria da Câmara dos Deputados com a Organização das Nações Unidas. A iniciativa será gerida pela CDHM, durante este ano, com o Alto Comissariado para os Direitos Humanos.
“O objetivo é aumentar o conhecimento e o envolvimento nacional com os mecanismos de direitos humanos da ONU e contribuir para a coleta de boas informações e práticas”, informa Helder Salomão. O parlamentar diz também que o trabalho do Observatório será em dois eixos: o de difusão de conhecimento e o de monitoramento das recomendações recebidas e aceitas pelo Brasil. O observatório também analisará o orçamento das políticas de direitos humanos. “Está aí, na escassez de destinação de recursos, o âmago da maior parte das violações”, conclui Salomão.
O representante regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Jan Jarab, afirma que “estou aqui hoje em nome da cooperação e complementariedade, que é o lançamento do Observatório. A Revisão Periódica Universal traz questões chaves em matéria de direitos humanos e coincide com as recomendações emitidas pelos demais mecanismos da ONU, ou seja, os órgãos de tratados que visitam frequentemente o Brasil. Uma luz de atenção aos assuntos que devem ser considerados com alta relevância pelo Estado”.
A RPU é o mecanismo que analisa a situação interna de direitos humanos nos Estados membros da ONU. A cada quatro anos o país passa por um exame, pelo Conselho de Direitos Humanos, de relatórios elaborados pelo governo e pela sociedade civil. Ao final são feitas recomendações que, se acatadas, devem ser seguidas pelo examinado. O 3° ciclo de revisão do Brasil foi em 2017. O país recebeu 246 recomendações, das quais 242 foram aceitas. Embora o Brasil se submeta voluntariamente à RPU, inexiste mecanismo de acompanhamento da implementação destas recomendações internamente.
Erika Kokay (PT/DF), uma das idealizadoras da iniciativa que deu origem ao Observatório alerta que “precisamos estar atentos e fortes, não queremos mais ser atacados, esse não será mais o país do ódio, do medo, não queremos mais chorar os corpos mortos dos defensores de direitos. Por isso, a importância do Observatório e das organizações populares aqui na Comissão”.
A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, reforça a importância do Observatório para acompanhar as recomendações da RPU. “É muito importante a criação deste observatório para implementar as recomendações dos outros países. Há um simbolismo muito grande que, aqui no Brasil, essa atividade seja passada para o Legislativo. Em outros lugares essa fiscalização é feita pelo Executivo. E também porque o observatório deve fiscalizar também a aplicação de recursos”.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), ressalta “o importantíssimo papel desempenhado pela CDHM, fortalecido em 2004 ao ganhar poder deliberativo, na análise e implantação de políticas públicas voltadas aos direitos essenciais. Além das centenas de violações e denúncias que recebem o encaminhamento necessário. São esforços contínuos, e o Observatório deverá ser um trabalho profícuo e eficiente”.
Livreto
Um livreto, escrito pelo consultor legislativo Carlos David Carneiro Bichara e apresentado nesta terça, relata e contextualiza o papel da CDHM na recente história brasileira.
Bichara conta que “por meio de suas audiências públicas, foi possível visualizar a construção de um espaço permanente de interlocução entre vários atores, que vem funcionando de maneira constante nesses 25 anos. Por meio de suas contribuições legislativas, foi possível visualizar uma agenda de acúmulos que, se não foram, nem de longe, o suficiente para fazer frente a tantas violações de direitos humanos, deixam-nos, ao menos, melhor municiados para enfrentá-las”. Leia a íntegra aqui.
Também participaram da sessão solene representantes de organizações da sociedade civil, os embaixadores de Cuba e Suíça e representações das embaixadas dos Estados Unidos e Austrália, além de sete ex-presidentes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Vida que anda
Dona Rosa Sousa, líder do acampamento Beira Rio, na cidade de Fronteira, no sudoeste mineiro, faz parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPPDDH-MG). Já foi ameaçada de morte várias vezes. Ela e 138 famílias do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) vivem no local. A CDHM fez diligência a região em setembro de 2019. Hoje ela contou o que mudou.
“Os aviões para pulverizar a cana levantavam e derramavam glifosato em cima da gente, até duas vezes por dia. As vacas, as porcas, abortavam por causa disso. Um dia, três motoqueiros botaram fogo em 38 lotes, queimaram animais, barracas. A gente não quer tirar nada de ninguém, lutamos contra a violência no campo, o movimento social é importante para os municípios porque produzem alimento saudável. Fui ameaçada de morte várias vezes, a Comissão esteve lá e o Ministério Público também. As ameaças pararam porque viram que tem que cuide de nós. A nossa vida mudou e passamos a ser vistos com outros olhos, como seres humanos”.
“A força das mulheres
Está no cheiro de terra molhada
Depois da chuva esperada
A força das mulheres
Está na terra arrasada
Na planície devastada do sertão
Erguendo-se em seu próprio pó
A força das mulheres
Um dia vai oceanar
Jorrar gotas de esperança
Irrigar a terra ferida”
Da poeta e escritora Cristiane Sobral, durante a cerimônia dos 25 anos da CDHM.
Pedro Calvi / CDHM
Por www.camara.leg.br